sábado, 26 de julho de 2014

Entregar folhetos? Não, muito obrigado...


Este é um daqueles artigos polêmicos. Não pretende-se como, mas é bem possível que se torne por conta do estado das coisas que ele mesmo descreve. Não o seria caso tudo estivesse bem, e, oh, como desejamos que estivéssemos enganados quanto à nossa leitura da situação atual, quanto às coisas que descreveremos...
Bom, o título já nos denuncia. Agora, precisamos fazer algumas ressalvas. A primeira é que não nos furtamos ao ato de proclamar as boas novas de Cristo. Jamais! Longe de nós tal mal! Quem nos conhece sabe que já nos envolvemos nas mais desconfortáveis situações para que pudéssemos ter condições de realizar o chamado ato de 'evangelizar'. Por isso, com temor, investigando nosso próprio coração e averiguando se não há intenção má, declaramos que tal artigo não tem nada a ver com negligência missionária.
Há outra ressalva. Muitos que não têm pretensão alguma de evangelizar adorarão o artigo. Servir-lhes-ão como alento para o ímpio coração. O incômodo de que lhes é devida a obrigação de pregar o Evangelho, e que tal parece se encarnar no ato referido no título deste texto, é lançado às catacumbas e o artigo é estimado com grande louvor. Pois bem, esse parágrafo é para dizer a estes que eles são hipócritas! Longe de mim querer sofrar suas feridas. Colocar o dedo nela é meu intuito, mas não neste artigo. Fiquemos com a frase de Spurgeon: 'Todo cristão ou é missionário ou é um impostor'.
Por fim, não consideramos que todos que entregam folhetos caem em todos os erros que iremos mencionar. Mas é difícil vê-los desassociados de qualquer deles...


Feitas as devidas pré-considerações, vamos ao que interessa. Por que não gostamos de tal prática? Permitam-nos, de modo breve, listar algumas boas razões.

A primeira e mais óbvia delas é a má qualidade dos folhetos. É óbvio que não demandamos nada exaustivo em um mero folheto, e eles têm a vantagem de ser um texto curto que, por tal natureza, principalmente no Brasil, podem ser considerados e lidos. Mas, via de regra, a grande maioria, a maioria esmagadora, dos folhetos que já vimos são muito ruins. Nos níveis mais baixos vemos teologia da prosperidade, mentiras que estão muito distantes de evangelizar, e que só tenderão a decepcionar, quando não criar um grande obstáculo para que alguém aprecie a fé cristã. Alguém que se interessa por Cristo para que ele o deixe rico, ou tão somente cure suas doenças é pouco melhor do que os nove leprosos que buscaram a Jesus para serem curados e nem mesmo voltaram para agradecer. Alguns folhetos anunciam um mágico, alguém para entreter ou satisfazer particularidades triviais e fúteis (ou pelo menos com tais características diante do real significado de Cristo na Cruz), e os que recebem-nos bem dessa forma não são melhores que Herodes e suas tolas expectativas. Se um folheto promete a vida cristã como um mar de rosas, mente e faz um desfavor à causa de Cristo e à alma de quem o leu.
Os folhetos mais inofensivos, contudo, não apresentam de forma adequada a mensagem de Deus para este mundo caído. É certo que Jesus vai levar-nos para o céu; é bem verdade que ele nos consola em nossas dores; não há dúvidas de que ele venceu a morte e ressuscitou! Qual cristão ao ler tais coisas não emitirá um sonoro 'Amém!'? Mas a mensagem de Cristo não pode ser anunciada sem a mais desagradável das notícias: a humilhante realidade de que todos, por sua própria conta, estão perdidos, não importa o quão bons sejam, ou quanto se esforcem para se salvarem. Evangelismo que não comunica ao pecador que ele é justamente isso, pecador, não é e nem nunca foi evangelismo bíblico. Em outras palavras, não é o que Deus disse aos homens...
A propósito, só mais um exemplo para não nos delongarmos muito. 'Salvação'. Dizer em um folheto que Jesus salva é, tampouco, evangelismo. Salva de que, exatamente? Oras, não se pode ver-se resgatado se não se percebe escravo, perdido, condenado... a mensagem de salvação é tão eficiente se comunicada sem isso quanto um belo quadro apresentado a um cego. Quer coisa mais estúpida? Pois então, e há folhetos que são de tal estirpe.
Seja como for, entendemos que a mensagem do Evangelho, embora não demande essencialmente uma teologia sistemática robusta para ser devidamente apresentada, exige mais do que um tweet. Há folhetos mais extensos, e há livretinhos, bem curtinhos, que poderiam dar conta do recado. Seria algo mais viável. E se o dinheiro gasto com folhetos fosse gasto para distribuir boa literatura, gratuita, entre os que desejamos evangelizar?

Mas, vá lá, digamos que você tenha um excelente folheto. E então, estariamos compelidos a seguí-lo em sua entrega? Ainda cremos que não. Tal empresa nos parece, no mínimo, uma irresponsabilidade. A prática evangelística pessoal, responsável, que nos envolve e demanda que nos desgastemos é substituída por um evangelismo fast-food. Entregar um folheto tranquiliza a alma que sabe que precisa evangelizar mas, por uma série de motivos, não o faz. É como evangelizar 'de longe' [quando se pode evangelizar de perto]. Encaixa-se perfeitamente naquilo que J. I. Packer chama de 'evangelismo impessoal' em sua excelente (e curta) obra chamada 'A Evangelização e Soberania de Deus'.
Poderiam nos perguntar, então, afinal de contas, o que raios queremos. Seria apenas o evangelismo via púlpito o que nos parece correto? De modo algum, embora consideremos o púlpito uma oportunidade singular. Bom, para responder a tal inquietação indagativa, gostaríamos de olhar para os imperativos do próprio texto denominado 'a grande comissão'. Lá Jesus ordena que devemos fazer discípulos, ensinando-os a guardar tudo que ele ensinou. Certo. Perguntamos, então, se o 'panfleteiro de Jesus' está apto para tal labor. Ele consegue ensinar o que Cristo ensinou? É claro que é uma tarefa da Igreja, e o mais sossegado é, pois, terceirizá-la. 'Os teólogos da Igreja que vão ensinar isso. Eu não! Sou apenas o apresentador inicial do programa...'. Ótimo, não notaram a deficiência? Este alguém não é um discípulo... um discípulo aprendeu e, se de fato o fez, pode passar adiante. Não é preciso competências pedagógicas para tal. Estamos falando de ensinar os rudimentos da fé cristã, que, embora não sejam tão prolongados, não cabem em um folheto. Bom, a primeira tarefa para o evangelismo responsável, pois, parece-nos a dedicação mínima aos estudos teológicos. Não se assustem com tal expressão, como se falássemos de escolasticismo, de abstrações teóricas tão etéreas que escapam ao João Lavrador de Spurgeon. Não propomos que todos sejam exímios teólogos (aliás, seria ótimo). Sabemos que há mãos, pés e pâncreas no corpo... Mas, depois de algum tempo na igreja não haver qualquer progresso, há, certamente, algo muito errado. É bem possível que a Igreja não dê a educação teológica necessária, mas, sinceramente, quem quer e se interesse, aprende. Não somos melhores do que ninguém, e nos convertemos em um ambiente nada estimulante aos estudos... mas, convenhamos, temos internet e um bom número de materiais na rede. Quem quer, vai atrás. Há algo mais deleitoso à alma regenerada do que conhecer mais a Deus? Muito do evangelismo responsável é preterido justamente pela recusa em aprender. Demanda tempo. Gasta tempo. Não é muito confortável. Para entregar folheto não é preciso suar tanto...

Roger Greenway, no 'Ide e fazei discípulos', bem como muitos outros autores, observam que o evangelismo da Igreja primitiva se dava de muitos modos, mas temos de destacar um em particular, que é a nossa proposta. Se de fato queremos evangelizar, não nos falta campo. Temos certeza de que cada um dos
panfleteiros têm ao menos um amigo ou colega a quem poderiam compartilhar a bendita mensagem de forma mais responsável. Isso se dá através da amizade e da demonstração de interesse genuíno. É, também, orar constantemente para que tal empreitada obtenha êxito. Compartilhar o Evangelho dessa forma é uma empresa muito mais rentável e digna. É assim que nos informam ter sido muitíssimo da prática missionária da igreja 'primitiva' (exaurindo a pejoração do termo, para os desavisados).
Há mais objeção da parte do enfadado panfleteiro. Ele poderia dizer que tal prática não alcançaria os que não conhecemos. Mas, ora bolas, é claro que alcançaria! Primeiro, poderíamos dizer que a prática desses parece preterir os que eles conhecem, afinal, entregam folhetos para pessoas nas ruas e desconhecidos, ignorando os que conhecem. Ainda há a réplica de que uma atividade não elimina a outra, o que temos de anuir. Entretanto, ainda somos a favor de acabar com o panfletagem porque a outra prática pode muito bem alcançar êxito onde esta parece imprescindível. Se alcançamos nosso vizinho, é certo que ele conhece pessoas que não conhecemos. E se, de fato, o alcançamos para ser como nós somos, ele irá atrás dos que conhece.

Um último recurso, uma última objeção, ainda precisa ser considerada. Alguém pode apresentar algum exemplo de alguém que se converteu por conta de um folheto. Bom, para começo de conversa, achamos muito improvável que um folheto, por si só, ofereça as informações necessárias para tal. Na melhor das hipóteses ele sugere algo, e desperta lembranças de outras coisas que podem levar à 'decisão por Cristo'. Pois bem, mesmo que assumamos tal possibilidade, ainda assim insistimos para que a Igreja abandone os folhetos. Diante do que argumentamos, ainda parece-nos muito mais viável que se gaste o tempo em projetos mais adequados e eficientes.
E ainda que pensemos no argumento, em si, constatamos que é fútil, bobo. Se alguém, algum dia, se converteu por ter lido um fragmento de uma Bíblia jogada ao chão, não significa que devemos rasgar nossas Bíblias e distribuir suas porções pelas ruas da cidade.

CONCLUSÃO

Onde queremos chegar com isso? Simples: invistam o tempo e o dinheiro dos folhetos de modo diferente. Comprem e distribuam literatura, para o segundo item; e gastem tempo estudando as Escrituras, teologia e afins (em suma, se preparando), e evangelizemos os nossos conhecidos, amigos, colegas e parentes, nem que seja um de cada vez. É tudo questão de remir o tempo, e aproveitá-lo da melhor maneira possível...

sexta-feira, 25 de julho de 2014

Vamos olhar mais de perto os fatos concernentes ao descobrimento do Brasil...

INTRODUÇÃO: POR QUE PORTUGAL?

Todo mundo, no Brasil, sabe (ou deveria saber) que fomos colonizados pelos portugueses. Alguns lamentam, e outros vêem vantagens nesse fato. Iremos opinar também, mas, antes, estudemos a história para fundamentar nossas opiniões, tornando-as posições. Pois bem, agora, é legítimo perguntarmos: por que não a Espanha? Ou Inglaterra... Holanda, França... Claro, não temos tempo e espaço, aqui, para uma dissertação completa sobre a história da Europa Medieval para que consigamos estabelecer perfeitamente as causas. Mas, mesmo que não se saiba muito sobre a história européia, há alguns detalhes que podem ser elencados.

POR QUE PORTUGAL FOI PIONEIRO NAS GRANDES NAVEGAÇÕES?

O historiador Boris Fausto aponta algumas razões para Portugal ser pioneiro nas grandes navegações. Talvez uma das mais importantes seja o fato de Portugal, desde muito cedo, ter se tornado uma monarquia centralizada, ou seja, em meio à descentralização do poder na Europa, ao famoso período feudal, os lusitanos têm, mais cedo que os outros países, os poderes centralizados nas mãos de um único rei, que a tudo administra. Tal fenômeno lhes angariou recursos suficientes para aventurarem-se pelos mares. Tanto o próprio Estado quanto os burgueses apoiavam a empreitada, completa Fábio Costa.
Portugal também aprendeu, com os genoveses, da Itália, que perambulavam a tempos pelo mediterrâneo, técnicas de navegação. Costa acrescenta a informação de que havia uma preparação teórica sobre o assunto, a famosa Escola de Sagres, o que indica que estudavam a questão, levando-a a sério.
Ainda outro fator óbvio, mas que pode passar despercebido, é a posição do país. Portugal estava de frente para o mar, para o Oceano Atlântico, e até mesmo as correntes marítimas lhe eram favoráveis.
Questão também determinante era a tecnologia naval dos portugueses. Inventaram seus engenheiros um navio rápido e muito eficiente: a caravela. "Pequenas - cerca de vinte metros de comprimento -, ágeis, capazes de avançar em zigue-zague contra o vento e dotadas de artilharia pesada, as caravelas eram consideradas os melhores veleiros a navegar em alto-mar" (DEL PRIORI, VENANCIO, p. 11). Foi em uma delas que Pedro Álvares Cabral veio, em grande expedição, ao Brasil.
O professor Fábio Costa também nota algo importante. Portugal tinha por característica básica o comércio. Não eram muito dados à produção. Antes, seu apanágio era justamente as transações comerciais. Isso é que os impeliu a decidirem-se por tomar o rumo dos mares desconhecidos do oeste.

O QUE MOTIVAVA PORTUGAL ÀS EXPEDIÇÕES?

E, falando nos motivos que levaram os portugueses às empreitadas no além-mar, Fausto deixa-os ainda mais claros: o ouro e as especiarias (pimenta, noz moscado, cravo, canela...). As especiarias eram importantes para disfarçar o mau gosto dos alimentos que, de forma muito comum, se estragavam (não havia meios tão eficazes como os de hoje para preservação dos alimentos). Eram, pois, produtos de valor alto no mercado. Fábio Costa nos conta que, até então, Portugal comprava especiarias dos italianos, que compravam dos árabes que, por sua vez, granjeavam na Índia. Entretanto, em dado momento, Portugal quer encurtar a distância, e então visa pegar por si mesmo as especiarias nas Índias.
Boris Fausto não elimina das motivações o desejo de aventura, de conhecer novas terras. Fantasiavam sobre o que haveria no novo mundo. Desde a Idade Média ficavam a imaginar, e não raro cogitavam lendas, sereias e afins. Mas Fábio Costa bem lembra, sem eliminar o espírito aventureiro, que os portugueses já não estavam muito crentes nessas histórias, o que lhes desobstruía muito os caminhos dos mares. O medo fora grandemente minorado. Estamos no Renascimento, e a 'crendice medieval' [misturada às boas reflexões filosóficas e teológicas elucubradas por uma elite intelectual que se confundia com os oficiais eclesiásticos] já estava sendo jogada no lixo.

É bom lembrar que o Brasil não foi o primeiro lugar que os portugueses foram. Em 1415 eles chegam ao norte da África, conforme informa o professor Fábio. Dali pra frente começam a explorar todo o litoral africano, intentando rodear o continente para chegar às índias. De 1415 a 1460 eles conquistam as Ilhas Atlânticas. Em 1488, Bartolomeu Dias cruza o Cabo das Tormentas, ao sul da África (o encontro entre o Oceano Atlântico e o Índico), que passa a ser chamado de Cabo da Boa Esperança. E, finalmente, em 1498, Vasco da Gama [notem que foi o SEGUNDO a passar o cabo... vice de novo] vai até Calicute, nas Índias. Quanto a isso, Del Priori e Venancio são mais uma vez bem úteis: "[Vasco da Gama] ao longo da viagem tomara contato com o mundo muçulmano da costa oriental da África, onde hábeis mercadores controlavam inteiramente o comércio. Comércio, diga-se, de escravos capturados no interior da África e conduzidos aos portos de Sofala e Zanzibar - o Zenju-Bar, ou seja, 'páis dos escravos' -e de tecidos de algodão e especiarias, notadamente gengibre e o cravo. O encontro entre o mundo europeu e o indiano deu-se, contudo, em Calicute, mercado dos produtos desejados pelos portugueses: gengibre de Dekan, canela do Ceilão, pimenta da Malásia, cravo das ilhas Molucas e todas as demais especiarias levadas por árabes para Istambul e margens do Mediterrâneo. Durante três meses, Vasco da Gama contabilizou algo em torno de 1500 embarcações árabes nos portos da Índia" (DEL PRIORI, VENANCIO, p. 13).

Finalmente, temos a expedição de 1500, liderada por Pedro Álvares Cabral, que vem 'descobrir' o Brasil. Precismos nos deter, um pouco, na discussão dessa descoberta. E, então, iremos falar sobre essa primeira impressão e afins.

FINALMENTE, O 'DESCOBRIMENTO' DO BRASIL

Mary Del Priori e Renato Venancio notam algo instigante. Lembremo-nos que em 1494 foi assinado o Tratado de Tordesilhas, que dividia os mares do oeste, o Oceano Atlântico, entre Portugal e Espanha (é claro que, algum tempo depois, outros países iriam entrar na empreitada, e o 'companheiro' de Península Ibérica de Portugal, Espanha, logo entrou no 'ramo' também). Eram terras já demarcadas. Dom Manuel I, então rei de Portugal, após a volta de Vasco da Gama e seus relatos sobre Calicute e seu rei, monta uma segunda expedição, pomposa e impressionante, para dobrar o rei, montar um vínculo comercial direto com ele. Essa era a expedição de Cabral. Queriam ir às Índias. Então os autores supra mencionados notam: "Tendo em vista a pressa de se retornar a Calicute, é de se estranhar que a frota de Cabral pudesse perder tempo 'explorando' zonas desconhecidas e já chanceladas, há seis anos, pelo Tratado de Tordesilhas. Tomar posse das terras demarcadas devia fazer parte dos planos da expedição. Por que outra razão uma das treze embarcações, a conduzida por Gaspar de Lemos, teria voltado a Lisboa, anunciando a 'descoberta', quando os olhos da cristandade ocidental estavam bem abertos sobre a primeira expedição a abrir oficialmente a Carreira das Índias?" (DEL PRIORI, VENANCIO, p. 17). Isso mesmo. Os autores defendem que não foi por acidente que Cabral chegou aqui. Permitam-nos uma nova citação extensa: "O afastamenteo para oeste, hoje sabemos, foi intencional, pois, desde as viagens de Diogo de Teive ao Norte da África, em cerca de 1452, sabia-se da existência de terras a noroeste dos Açores e da Madeira. [...] Uma carta veneziana de 1424 representou, por sua vez, um conjunto de ilhas atlânticas, ao sul e ao norte das Canárias - Antilias, Sanaases e Saya, Imana e Brasiz -, que passaram a figurar em outros mapas cada vez mais a ocidente da Europa. Datada de 1474, a célebre carta de Tocanelli, enderaçada ao príncipe d. João, ou a algum membro de sua futura Corte, o incentivava a buscar um caminho paras as Índias em viagem transatlântica, tomando rumo ocidental e baseando-se na existência de algumas das ilhas acima mencionadas. A região, aparentemente desconhecida pelos portugueses, era, tudo indica, conhecida de marienheiros franceses, como negociante e marinheiro Jean Cousin, provável visitante da embocadura do Amazonas em 1488, assim como dos espanhóis, Diogo de Lepe e Alonso de Hojeda, que teriam passado por trechos da costa norte brasileira antes de 1500" (DEL PRIORI, VENANCIO, p. 17). São evidências muito fortes de que eles já sabiam que havia algo por aqui.
O historiador Boris Fausto também alavanca a questão da discussão sobre o termo 'descobrimento'. Ainda que considerássemos o ano de 1500 como a descoberta de novas terras, ainda assim o termo não seria totalmente adequado, visto que já haviam moradores, que foram denominados pelos Europeus de Índios. Pensamos que seria viável falar sobre o descobrimento europeu do Brasil.

IMPRESSÕES DE AMBOS OS LADOS

Seja como for, chegaram os portugueses ao Brasil. E aqui, vale dissertar sobre a perspectiva dos portugueses, ante os indígenas; e sobre a perspectiva dos indígenas a respeito dos portugueses.

Quanto aos indígenas, Boris notava que eles certamente estranharam toda aquela roupa sobre o corpo. Além disso, Narloch nota que eles não haviam desenvolvido nenhum tipo de meio de transporte e, o que viram no horizonte "enormes ilhas de maderia, que eram na verdade canoas altas cheias de homens estranhos" (NARLOCH, p. 47).
Naturalmente, segue Fausto, os padres estavam já interessados na catequese (Del Priori e Venancio nos informam que missionários estavam na expedição, pois queriam evangelizar nas Índias) e logo ergueram uma cruz. "No dia 26 de abril, uma missa celebrada pelo franciscano Henrique Soares de Coimbra marcou os festejos do Domingo de Páscoa. Em 1º de maio, uma cruz foi plantada" (DEL PRIORI; VENANCIO, p. 18) e "no dia 1º de maio, sexta feira, para comemar a paixão de Cristo, frei Henrique celebrou a segunda missa, precedida de uma procissão, tendo à frente os estandartes da Ordem de Cristo. Participaram da cerimônia mais de mil portugueses e cerca de 150 nativos" (CÉSAR, p.20). Elben M. Lenz César ainda nos relata que Pero Vaz de Caminha, o escrivão da comitiva, a quem devemos o primeiro relato sobre o Brasil e o contato com os nativos, demandou que aquele povo fosse evangelizado, e completa: "O entusiasmo de Caminha pela evangelização dos indígenas assenta-se, em parte, numa impressão demasiadamente otimista e simplista que teve dos nativos por ocasião da segunda missa campal: os índios ajudaram a carregar a cruz para o local designado e imitaram os portugueses durante o ofício religioso, ajoelhando-se, pondo-se em pé, levantando as mãos para o alto e olhando atentamente para o celebrante. Para o escrivão da feitoria de Calicute, o peixe já estava quase na rede. Faltava apenas o clérigo para os batizar!" (CÉSAR, p. 23). O problema, como nos informa Élben é que, embora Gaspar de Lemos tenha levado a carta para Dom Manuel, o então rei de Portugal, não surtiu efeito e ficou arquivada. Somente cerca de 300 anos mais tarde é que o documento foi redescoberto. Mas também sugere que ela possa ter motivado a primeira leva de missionários em 1549, tema que voltaremos a abordar.

Claro, os portugueses, pomposos e vestidos, certamente tinham estranhamento para com a nudez indígena. Mas Del Priori e Venancio nos lembram que não era inteiramente uma novidade: "Que gente seria aquela? A nudez era novidade? Não. Portugueses estavam familiarizados com etíopes, com os quais se deparavam quando costeavam o litoral africano, eles também nus e portando mortíferas azagaias" (DEL PRIORI; VENANCIO, p. 19).

Bóris vai assumir ares de que os índios foram ultrajados pelos lusitanos, e Del Priori e Venancio não ficam atrás. Mas da perspectiva dos portugueses já temos que observar a realista perspectiva de Leandro Narloch: "Os portugueses não eram seres onipotentes que faziam o que quisessem nas praias brasileiras. Imagine só. Você viaja para o lugar mais desconhecido do mundo, que só algumas dúzias de pessoas do seu país visitaram. Há sobre o lugar relatos tenebrosos de selvagens guerreiros que falam uma língua estranha, andam nus e devoram seus inimigos - ao chegar, você percebe que isso é verdade. Seu grupo está em vinte ou trinta pessoas; eles, em milhares. Mesmo com espadas e arcabuzes, sua munição é limitada, o carregamento é demorado e não contém os milhares de flechas que eles possuem. Numa condição dessas, é provável que você sentisse medo ou pelo menos que preferisse evitar conflitos. Faria algumas concessões para que aquela multidão de pessoas estranhas não se irritasse" (NARLOCH, p. 33). É claro que já não chegaram 'mandando no pedaço', como Fausto nos faz querer entender. Portanto, os portugueses tiveram de apresentar-se humildes e agradáveis, ou então poderiam se dar muito mal. E já começamos a desmentir alguns conceitos consagrados... Narloch promete mais...


ANTES DOS PORTUGUESES: UM BACKGROUND DA SITUAÇÃO

O que os índios faziam antes dos portugueses chegarem? Há uma série de especulações. Os autores falam de milhares de anos atrás, e têm opiniões diversificadas. Preferimos, na ausência de registro ou documentos históricos, nos limitar a falar dos costumes que já haviam adquirido e do que parece mais palpável.
Bom, tinham uma cultura muito rudimentar. Del Priori e Venancio, típicos historiadores do politicamente correto, tentam dar ares de nobreza às produções culturais dos índios. "Na região Centro-Sul do Brasil, caçadores e coletores cruzavam campos, savanas e alagadiços em busca de peixes, carnívoros de médio porte e répteis, como o jacaré e o lagarto, base de sua alimentação. A presença de instrumentos capazes de modificar a consistência dos alimentos indica claramente as transformações que os grupos humanos impunham ao meio ambiente. Peças de pedra, côncavas ou convexas, funcionando como verdadeiros batedores-trituradores, mós e pilões, pontas de arpão e anzóis, feitos de ossos, evidenciam não apenas uma simples preocupação fisiológica, mas uma cultura em torno do alimento. [...] grupos horticultores começaram a plantar milho, algodão, amendoim e porongos - utilizados como cuias e cabaças. Esses primeiros horticultores criaram, também, uma cerâmica utilitária, pequena e escura, cuja função era o armazenamento. O início da domesticação de plantas e a relação com as espécies nativas [...] bem como a criação de instrumentos relacionados com o seu processamento [...] demonstram a existência de um sofisticado conhecimento sobre coleta e preparação de alimentos. Essa relação com o meio ambiente permitiu aos primeiros habitantes da 'terra dos papagaios' dispor de diferentes nichos ecológicos e desenvolver estratégias alimentares que tinham uma relação estreia com o mundo que os cercava. Mas os ancestrais das tribos tupis não eram apenas estômago. Eram extremamente sensíveis ao mundo cultural: esculturas de pedra e osso representando pássaros, mamíferos e homens constituem um catálogo apaixonante de suas criações artísticas. Nas grutas, a representação de animais - cada grupo tinha seu favorito [...] -, de formas geométricas ou de figuras humanas envolvidas em cenas familiares e sexuais indica o misto de fruição estética e investimento ritual em torno de imagens. Na execução dessas obras, não faltavam extremos cuidados: em Roraima, no interior das cavernas, usavam-se até andaimes para o acabamento das pinturas. No belíssimo conjunto rupestre do Lajedo de Soledade, no Rio Grande do Norte, imagens associadas a rituais propiciatórios para chuvas comprovam a maestria na preparação das tintas, evitando o escorrimento das cores" (DEL PRIORI, VENANCIO, p. 20-21). Aqui, particularmente, os autores estão falando de ancestrais mais distantes. Entretanto, as características dos seus descendentes não diferiu muito. Na verdade, não notamos qualquer progresso... os autores ainda mencionam as questões religiosas e sociais (questões familiares e afins). Coisas que já conhecemos: rituais; espíritos da natureza; caciques poligâmicos... De interessante na lista está os vínculos afetivos entre pais e filhos: "A forte ligação entre pais e filhos chamou a atenção dos europeus: 'são obedientíssimos a seus pais e mães e todos muito amáveis e aprazíveis'" (DEL PRIORI, VENANCIO, p. 22) e a divisão de tarefas segundo as competências dos gêneros e das idades: "Mulheres semeavam, plantavam e colhiam produtos agrícolas, coletavam frutas silvestres e maricos, fabricavam farinhas e óleo de palmeira, preparavam as raízes para a produção do cauim, fiavma algodão e teciam redes, cuidavam dos animais domésticos, e do corpo dos parentes, catando piolhos, deplilando-os, etc. Os homens derrubavam a mata e preparavam a terra para a horticultura, caçavam e pescava, construíam malocas, fabricavma canoas e armas, cortavam lenha  e protegiam mulheres e crianças" (DEL PRIORI, VENANCIO, p. 22-23).
Entretanto, ainda que não neguemos (se é que alguém o faz) que os índios tinham algum valor cultural, há muito que foi omitido pelos historiadores. Eles não falam das guerras que os índios estavam envolvidos, e também não destacam o óbvio: era uma cultura muitíssimo atrasada. Leandro Narloch, declaradamente subversivo, não furta-se de observar tudo isso: "Em 1500, quando os portugueses apareceram na praia, a nação tupi se espalhava de São Paulo ao Nordeste e à Amazônia, dividida em diversas tribos, como os tupiniquins e os tupinambás, que disputavam espaço travando guerras constantes entre si e com índios de outras famílias linguísticas. Não se sabe exatamente quantas pessoas viviam no atual território brasileiro - as estimativas variam muito de 1 milhão a 3,5 milhões de pessoas, divididas em mais de duzentas culturas. Ainda demoraria alguns séculos para essas tribos se reconhecerem na identidade única de índios, um conceito criado pelos europeus. Naquela época, um tupinambá achava um botocudo tão estrangeiro quanto um português. Guerreava contra um tupiniquim com o mesmo gosto com que devorava um jesuíta. Entre todos esses povos, a guerra não era só comum - também fazia parte do calendário das tribos, como um ritual que uma hora ou outra tinha de acontecer" (NARLOCH, p. 34-35). Tais observações, como veremos, são determinantes para que julguemos a questão indígena. Portanto, tomemos nota desse fenômeno.
Claro, alguém poderia criticar as fontes de Narloch. Ele, basicamente, apóia-se nos relatos dos padres jesuítas e de documentos de cronistas. Os segundos tinham de priorizar sua objetividade, e é meio difícil considerar que os jesuítas, que louvavam a não-usura dos indígenas, que tiveram vários conflitos com os gananciosos colonos, estivem fraudando seus relatos para agradar a burguesia...
Adiante Narloch é ainda mais elucidativo quanto às impressões dos índios. "A imagem divulgada do descobrimento do Brasil é aquela dos portugueses na praia, com as caravelas ao fundo, sendo recebidos por índios curiosos que brotam da floresta. Na verdade, houve um episódio que aconteceu antes: os índios subiram nas caravelas. [...] Provaram bolos, figo e mel (mas cuspiram as comidas com nojo), e ficaram espantadíssimos ao conhecer uma galinha. [...] naquela tarde de abril de 1500, os índios também fizeram sua descoberta. A chegada dos europeus revelou a eles um universo de tecnologias, plantas, animais e modos de pensar" (NARLOCH, p. 45). O autor descreve uma série de descobertas novas, como se passassem à idade do ferro de forma abrupta. Estavam fascinados com toda aquela avançada tecnologia. Anzóis para pescar; machados para facilitar o trabalho; animais domésticos; coco e banana... para não falar dos próprios navios, espetaculares! Leandro Narloch disse que não conheciam nem mesmo a roda! "Fizeram de tudo para conquistar a amizade dos novos [...] amigos. Antes que os brancos desembarcassem, subiram nos navios para conhecê-los. Na praia, deram presentes, estoques de mandioca e mulheres se ofereceram generosas. Devem ter achado urgente misturar-se com aquela cultura e se apoderar dos objetos diferentes que aqueles homens traziam [...] A história tradicional diz que os portugueses deram quinquilharias aos índios em troca de coisas muito mais valiosas, como pau-brasil e animais exóticos. Isso é achar que os índios eram completos idiotas. Aos seus olhos, nada poderia ser mais fascinantes que a cultura e os objetos dos visitantes. Não eram só quinquilharias que os portugueses ofereciam, mas riquezas e costumes [...]. Comprar aqueles artefatos com papagaios ou pau-brasil era um ótimo negócio" (NARLOCH, p. 48).

BIBLIOGRAFIA

CÉSAR, Elben M. Lenz. História da Evangelização do Brasil: dos jesuítas aos neopentecostais. Viçosa: Ultimato, 2000,  192p.
COSTA, Fábio. História do Brasil - Aula 1: Navegações Portuguesas e Período Pré-colonial. Acessado no dia 23/07/2014, em: https://www.youtube.com/watch?v=5tuK1c_51rw
DEL PRIORI, Mary; VENANCIO, Renato. Uma Breve História do Brasil. São Paulo: Editora Planeta, 2010, 320p.
FAUSTO, Bóris. A História do Brasil por Bóris Fausto. Acessado no dia 23/07/2014 em: https://www.youtube.com/watch?v=pSyE82yRaKU
NARLOCH, Leandro. Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil. São Paulo: Leya, 2009, 320p.




quinta-feira, 17 de julho de 2014

História Política e Cultural do Brasil: introdução.


Pois bem, vamos ao cumprimento de mais uma promessa. Há um tempo atrás, no facebook, cobrados sobre nossos motivos para torcer contra a seleção brasileira, e também motivados em esclarecê-los para não parecer que tínhamos qualquer associação aos idiotas do #nãovaitercopa e afins, fizemos uma pequena dissertação. Dentre os motivos, destaca-se um que germinou esta nova série. É ilusório, e até mesquinho, ver-se como patriota, ou como ato de patriotismo, o brasileiro tão simplesmente torcer para o Brasil em época de copa do mundo de futebol. Patriotismo que não conhece as riquezas culturais, nem mesmo a própria história de seu país, é, no mínimo, semelhante a dizer que ama uma donzela tão somente por conta de suas nádegas avantajadas. Diríamos: isso não é amor, é safadeza. Pois bem, aquilo não é patriotismo...

Olavo de Carvalho há de concordar conosco: "A pressa com que nosso povo copia hábitos e modos de falar estrangeiros, dando mesmo a seus filhos nomes ingleses ou franceses, mostra uma profunda indiferença popular a uma cultura que nada tem a lhe dizer sobre o sentido da vida e que, no máximo, lhe fornece na música popular, no futebol e no carnaval os meios de se anestesiar , através de ruídos sem sentido, contra o sem-sentido da vida. Nosso nacionalismo, por isto, não pode se compor de verdadeiro amor à pátria, exceto em estreitos círculos..." (Olavo de Carvalho, 'O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota', p. 64).

Aqui, pois, é onde pretendemos expor o básico da história e literatura brasileira. Qual a finalidade? Ah, há várias! Estudamos história para compreender o presente. Entender como chegamos à nossa situação, como as coisas ficaram como estão, e até mesmo compreender como estão, demanda um estudo do background da realidade presente, de suas raizes. Há erros e acertos, também, a serem considerados, para repetir estes e evitar aqueles. No final, até mesmo para influenciar de maneira mais efetiva nossa época e tentar viver bem exige, para maior eficiência, a compreensão histórica, uma biografia do país. Afinal, se queremos mesmo conhecer alguém, não temos que saber sobre sua história? Pois bem, encaremos o país como uma pessoa, e perguntemos de onde ele veio, como viveu...

AS FONTES

Não há nada de especial aqui. Seguiremos algumas vídeo-aulas, o que diz que são informações patentes a todos que pretendem passar num vestibular.
* Iremos seguir o documentário 'História do Brasil' com Boris Fausto: https://www.youtube.com/watch?v=pSyE82yRaKU.
* A série de aulas de História do Brasil com o professor Schiavone: https://www.youtube.com/playlist?list=PL-5888xShjYp6bkqJ9Ro5Z6h_LH8P4kkm
* A série de aulas de História do Brasil com o professor Fábio Costa: https://www.youtube.com/playlist?list=PLQsPGRk_FFH-YBVMt6OqirHcokvTER27Z
* Literatura seguiremos o professor Fabiano: https://www.youtube.com/watch?v=fiiwGfm8b8Y
* E à professorea Greice: https://www.youtube.com/watch?v=VcgNsyJ2btI&list=PL-5888xShjYpkwIPfr_XPguudB7DXIJEn.
Quanto a livros, iremos, via de regra, citar particularmente três títulos:
* Breve História do Brasil - Renato Venâncio e Mary Del Priori;
* Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil - Leandro Narloch;
* História da Evangelização do Brasil - Elben M. L. César.