quarta-feira, 23 de abril de 2014

Heráclito

Em Éfeso, cidade da Jônia, na Ásia Menor, famosa entre os cristãos por ter uma epístola paulina dirigida a ela, e uma carta do apóstolo João, em Apocalipse, surge outro pensador pré-socrático, próximo ao fim do segundo sexto século antes de Cristo*. Seu nome é Heráclito. Sobre sua vida, a única informação que conhecemos é uma oriunda de Durant: “deixou a riqueza e suas preocupações para levar uma vida de pobreza e estudo à sombra dos pórticos dos templos em Éfeso, desviou a ciência da astronomia para preocupações mais terrenas” (DURANT, p. 67). Portanto, parece que ele não segue a tradição dos filósofos que o precederam, os famosos filósofos de Mileto, que não deixavam de ser astrônomos. Provavelmente, pois, tratava-se de um ‘homem livre’ da sociedade grega.
Chalita nos diz que há muitos filósofos que consideram Heráclito o mais importante pré-socrático (CHALITA, p. 35). A característica de seus escritos é a obscuridade porque ele resolve “apresentar seu pensamento por meio de aforismos, com um estilo propositadamente enigmático” (CHALITA, p. 35). Osborne expõe um pouco mais. Ela diz que o estilo de Heráclito “é feito de sentenças misteriosas, das quais muitas são sem dúvida voluntariamente ambíguas” e completa “Do livro de Heráclito, conservamos uma grande quantidade de extratos truncados, principalmente sob a forma de uma única frase, algumas vezes desprovida de qualquer verbo. Nada se assemelhando a um argumento construído” (PRADEAU, p. 23).

O FLUXO UNIVERSAL

A ideia mais fundamental de Heráclito é a do fluxo universal. Ele acredita “Todas as coisas fluem e se alteram sempre, disse ele; mesmo na mais imóvel existe um invisível fluxo e movimento” (DURANT, p. 67). Diferentes autores conservaram sua ilustração principal, a ilustração do rio. Osborne as apresenta. Vamos reproduzir as duas menores, suficientes para nossa instrução: “Sobre aqueles que entram nos mesmos rios escoam sempre outras novas águas” e “Entramos e não entramos nos mesmos rios. Somos e não somos” (PRADEAU, p. 25). Gaarder sintetiza: “quando entro pela segunda vez no rio, tanto eu quanto ele já estamos mudados” (GAARDER, p. 47). Sproul é ainda mais claro nessa parte quando expõe a ilustração do rio: “Suas margens, numa erosão imperceptível, terão mudado, e você mesmo terá mudado – se de nenhuma outra forma, pelo menos no fato de ter ficado alguns segundos mais velho” (SPROUL, p. 21).
Osborne observa que Heráclito não estava pensando apenas no fluxo permanente das águas dos rios mas, sim, na própria essência ontológica, a natureza das coisas (PRADEAU, p. 25). Por isso, Chalita está certo ao observar que a ideia de Heráclito é a de que “o mundo não é um lugar estático, mas um fluxo, uma mudança permanente de todas as coisas, um constante vir-a-ser. Para Heráclito, nada permanece o mesmo, nem por um instante” (CHALITA, p. 35). Acreditamos que Sproul é, mais uma vez, hábil com as palavras na exposição: “De acordo com Heráclito, tudo está fluindo sempre e em todo lugar. Introduzindo aqui um conceito filosófico importante, isso significa que todas as coisas encontram-se no estado de vir a ser, em oposição ao estado de ser” (SPROUL, p.21). Em suma, nada é, antes, está constantemente vindo a ser, se transformando, mudando.
De onde Heráclito teria tirado essa ideia? Obviamente ele, ao contrário de Parmênides, acreditava piamente nos sentidos, como observado por Gaarder (GAARDER, p. 47). Por onde quer que ele andasse veria que as coisas estão em constante transformação, e constante mudança. Nada ‘para no seu lugar’. Tudo se altera de alguma forma. Heráclito deve ter observado isso e abstraído que, de repente, a essência do ‘ser’ é justamente o ‘vir-a-ser’.
Há, claro, uma constante em toda essa metafísica da mudança: a lei. A lei da mudança é algo que não muda. Durant também percebe isso: “Essa ordem, a mesma para todas as coisas, não foi feita por nenhum dos deuses e dos homens; mas sempre existiu, existe e existirá” (DURANT, p. 67).

A ARCHÉ EM HERÁCLITO

Heráclito não fugiu da moda filosófica de sua época, e também refletiu sobre o elemento fundamental da natureza. Como o fato de tudo fluir era a proposição pivô, mestra, de sua filosofia, ele elege o próprio ‘fogo’ como o elemento básico da natureza. “Heráclito via o fogo como o elemento básico das coisas, pois está sempre fluindo. O fogo tem de ser constantemente alimentado, mas ele também sempre está emitindo algo: fumaça, calor ou cinza. Ele está sempre ‘em atividade’, em constante transformação” (SPROUL, p. 21). Por isso, é o candidato perfeito para a arché.

TELEOLOGIA COSMOLÓGICA

Ao falar do fogo temos que partir para a teleologia cosmológica de Heráclito. Parece-nos que ele é o primeiro a propor, no ocidente, uma história cíclica. Para ele o mundo começaria no fogo e para ele voltaria, como nota Chalita citando Clemente de Alexandria expondo Heráclito: “Este mundo, o mesmo de todos os seres, nenhum deus, nenhum homem o fez, mas era, é e será um fogo sempre vivo, acendendo-se em medidas e apagando-se em medidas” (CLEMENTE apud CHALITA, p. 35). É isso mesmo que Durant nota: “A história cósmica segue em ciclos repetitivos, cada qual começando e terminando em fogo (eis aqui uma fonte da doutrina estóica e cristã do juízo final e do inferno*)” (DURANT, p. 67). Os estoicos, no futuro, vão se apropriar dessa ideia.

A UNIDADE DOS CONTRÁRIOS E A ORDEM SUBJACENTE À MUDANÇA

Antes de expor essa doutrina de Heráclito, é bom estarmos cientes das dificuldades. Heráclito expõe algumas sentenças que sugerem tal doutrina. “Cada uma dessas sentenças indica como os contrários estão ligados, sem que, no entanto, possamos discernir claramente o que determina ou estrutura o conjunto desses contrários. Desse modo, conservamos mais de uma centena de sentenças obscuras que não seguem nem análises nem explicações elaboradas, de modo que é difícil reconstituir com certeza a doutrina de Heráclito” (PRADEAU, p. 26).
Para esta última parte, talvez a mais complicada de todos os pré-socráticos, teremos de retomar dois assuntos já abordados previamente: a da lei, a constante da mudança; e a da arché de Heráclito, o fogo. Esses dois elementos parecem estar intimamente ligados na filosofia de Heráclito.
Voltemos, também, ao rio de Heráclito. Ao entrarmos novamente no rio, entramos e não entramos no mesmo rio. Osborne alavanca tal discussão: “é falso dizer que elas são ‘as mesmas’ quanto admitir que o ‘mesmo’ não implique a mesma constituição física” (PRADEAU, p. 25). Ou seja, em um sentido aquelas não são as mesmas águas. Mas existe uma realidade adjacente, a qual chamamos de ‘rio’, que constitui-se de um fluxo de águas por uma via. Esse predicado, ainda que não ignore a ontologia fluida de Heráclito, ainda assim pode referir-se a uma coisa fixa ao nos referirmos ao rio. “...um rio exige um fluxo constante de novas águas. É isso que significa um rio. E se isso é igualmente verdadeiro para a natureza, então o ‘mundo’ será um meio dinâmico no seio do qual as coisas têm lugar” (PRADEAU, p. 25).
Nesse sentido, parece que o locos, o mundo, é um ente fixo. O espaço, onde as mudanças acontecem, parece fixo. Entretanto, se observarmos que o fogo logo consumirá tudo, talvez pensemos na extinção e ressurgimento do próprio espaço. Aqui começamos a nos aproximar da discussão em torno do big bang, e preferimos deixar isso para outro momento.
O fato é que, em certo sentido, observamos que as mudanças seguem algumas vias, algumas normas, algumas leis. Osborne nota exatamente isso: “No entanto, esses acontecimentos não teriam lugar ao acaso nem de maneira caótica: tudo, assim como a água do rio, obedece a regras, escoando em um sentido e mudando de curso segundo certa medida” (PRADEAU, p. 25). No entanto, é legítimo questionar a origem dessa lei, dessa norma. O que faz as coisas seguirem determinado fluxo e não outro? O que faz com que as coisas não movam-se de forma caótica? Chamemos Sproul para a conversa: “A realidade não é uma diversidade pura; há uma unidade permanente. [...] Para Heráclito, o processo de mudança não é caótico, mas orquestrado por ‘Deus’. Coloquei Deus entre aspas porque, para Heráclito, ‘Deus’ não é um ser pessoal, porém mais parecido com uma força impessoal. O movimento é produto de uma razão universal a que Heráclito chamava de logos. [...]” (SPROUL, p. 21-22).
Percebamos, então, que Deus, ou o logos, é algum tipo de ente, uma força impessoal que produz as mudanças, que leva os seres ao eterno vir a ser. Ele é o motor do mundo. É o logos que guia as mudanças de modo que não sejam aleatórias, caóticas.
Mas espere um pouco. O que o ‘fogo’, o arché de Heráclito, tem a ver com isso? Como ele participa do processo? Bom, parece que ‘logos’, ‘lei’, ‘Deus’, e ‘fogo’ estão em uma relação simbiótica. Sproul mesmo, no parágrafo seguinte ao que mencionamos acima menciona o fogo relacionado à ordenação do cosmos: “Heráclito estava à procura de um princípio do telos, de uma teleologia ou propósito que desse ordem e harmonia às coisas em movimento, que desse unidade à diversidade. Para ele, o logos é a lei universal imanente em todas as coisas. Em última análise, é o Fogo com ‘f’ maiúsculo. Seu sistema é, em última análise, uma espécie de panteísmo” (SPROUL, p. 22).
Portanto, o fogo, esse Deus incandescente de Heráclito, gera o mundo, permeia a todas as coisas, e as leva à constante mudança. Esse fogo que permeia a todas as coisas é a razão, o logos divino que a tudo dá direção.

Mas o sistema não para aqui. E é nesse momento que a parte mais confusa, mais controversa, mencionada por Osborne alhures, surge. É a questão dos opostos. Comecemos por Gaarder: “Deus é dia e noite, inverno e verão, guerra e paz, satisfação e forme’, dizia ele. Ele emprega nesta passagem a palavra ‘Deus’, mas é claro que com isto não se refere aos desses de que falavam os mitos.Para Heráclito, Deus – ou o elemento divino – é algo que abrange o mundo inteiro. Para ele, Deus se manifesta na natureza em constante transformação e crivada de opostos. No lugar da palavra ‘Deus’ ele emprega com frequência a palavra grega logos, que significa razão” (GAARDER, p. 48, itálico nosso).
Parece que o logos manifesta-se, pois, na natureza, por meio da transformação que, por sua vez, reflete o conflito de opostos. Nos opostos, pois, parece que temos a lei divina, a atuação do logos, produzindo movimento, transformação e criação. Isso estaria em consonância com a sugestão de Osborne: “O logos pode igualmente ser a ligação entre os contrários” (PRADEAU, p. 26). O mundo, pois, seria formado de antíteses ontológicas, como se o logos criasse tudo aos pares opostos, antagônicos. À luz dessa consideração a citação de Durant é iluminada: “‘Através da luta’, diz Heráclito, ‘todas as coisas nascem e se extinguem. (...) A guerra é o pai e o rei de todos: alguns, ela tornou deuses; outros, homens; alguns, escravos, e outros, livres.’ Onde não há luta, há deterioração: ‘a mistura que não é sacudida se decompõe’” (DURANT, p. 67).
Entretanto, a doutrina ainda permanece misteriosa. Parece que do conflito, da síntese do conflito, o logos cria. Talvez seja uma alusão à transformação por meio da síntese de opostos. É possível que o fluxo cosmológico siga a linha mestra dos conflitos e o logos seja o condutor dessa ‘história’ até que “todos os conflitos no fim são resolvidos no fogo que paria sobre tudo, ou no logos das coisas” (SPROUL, p. 22).
Gaarder tenta trazer perspicuidade à questão: “Heráclito também nos chama a atenção para o fato de que o mundo está impregnado por constantes opostos. Se nunca ficássemos doentes, não saberíamos o que significa a saúde. Se nunca tivéssemos fome, não experimentaríamos a agradável sensação de saciá-la depois de uma refeição. Se nunca houvesse guerras, não saberíamos o valor da paz, e se nunca houvesse inverno, não poderíamos assistir à chegada da primavera. Tanto o bem quanto o mal são necessários ao todo, dizia Heráclito. Sem a constante interação dos opostos o mundo deixaria de existir” (GAARDER, p. 48). Temos, pois, o conflito de opostos fazendo parte da realidade, uma dualidade necessária, essencial ao que existe. Não conseguimos, entretanto, perceber a necessidade da dualidade, dos opostos, para que o logos crie a realidade. Suspeitamos que esteja na concepção de que o fogo queima e, disso, de alguma maneira, Heráclito tenha deduzido que a realidade deve ser produzida (no sentido do eterno devir) pelo conflito. Ao observar a realidade por esse prisma, realmente parece que as coisas estão em pares conflituosos.
Vejamos Chalita tentar expressar o mesmo: “A vida se transforma em morte, a morte em vida; o úmido seca, o seco umedece; a noite torna-se dia, o dia torna-se noite; a vigília cede ao sono, o sono cede à vigília; o jovem torna-se velho, o velho se faz criança [ok, também pareceu-nos meio forçado essa última]. O mundo é um perpétuo renascer e morrer, rejuvenescer e envelhecer” (CHALITA, p. 35). Aqui pareceu que o mundo experimenta ‘micro-ciclos’ do que acontece de forma global, macro, com todo o cosmos. No final das contas, o próprio cosmos está vivendo na antítese entre o nascer e o morrer.

EPISTEMOLOGIA HERACLITIANA

Epistemologicamente Heráclito parece entender que o verdadeiro filósofo que busca o logos o encontra e, então, começa a compreender a realidade e entende os seres que, apesar do vir a ser eterno que nos impede de reportarmo-nos a eles, têm uma constante no logos*. Percebamos Osborne dissertando sobre: “Existem meios pelos quais reconhecemos os ‘mesmos’ objetos: essas leis são determinantes para compreender o mundo. Tal é o sistema (ou logo) que, segundo Heráclito, aparece claramente àqueles que o procuram, mas permanece ignorado para aqueles que estão demasiado adormecidos para percebê-lo” (PRADEAU, p. 25-26).
Gaarder também explora questões epistemológicas em Heráclito: “Mesmo quando nós, homens, não pensamos da mesma forma ou não possuímos a mesma razão, deve haver – segundo Heráclito – uma espécie de ‘razão universal’, que dirige todos os fenômenos da natureza. Esta razão universal – ou ‘lei universal’ – é a mesma para todos; é a partir dela que todos se orientam. E não obstante, a maioria das pessoas vive segundo sua própria razão, dizia Heráclito. Ele não considerava muito as pessoas que o cercavam. Para ele, a opinião da maioria delas não passava de ‘brincadeira de criança’” (GAARDER, p. 48).
A nós parece que os dois autores entendem que o conhecimento da realidade, em Heráclito, longe de um empirismo rudimentar, como nos é normalmente ensinado, inclui a abstração que deduz o logos. Os homens devem crer no sistema para compreender o mundo. O sistema inclui a crença no logos que organiza, cria, destrói e recria o mundo (claro, o sistema também inclui a pressuposição na confiabilidade dos sentidos). Aí, então, teremos uma percepção correta sobre o mundo.
Antes de terminarmos essa seção epistemológica, não podemos deixar de observar o que Chalita diz: “Conhecer qualquer coisa só é possível porque existe o seu contrário; sabemos o que é a alegria porque experimentamos a tristeza, e vice-versa. O mesmo, segundo Heráclito, aconteceria com as qualidades de tudo o que existe, sempre aos pares. Por exemplo, a guerra e a paz, o quente e o frio, o amor e o ódio” (CHALITA, p. 36). Assim, a questão dos conflitos subjazem à própria epistemologia segundo Heráclito. O logos, que criou (cria e criará) as coisas aos pares opostos, também viabiliza o conhecimento nos homens por meio dos opostos. Assim, se não ficássemos tristes, não saberíamos o que é a alegria e, se ficássemos alegres, não haveria a tristeza. Tal conceito não nos parece muito preciso, e suspeitamos que ele ignore alguns estados neutros entre as coisas. Por exemplo, acreditamos que exista um estado normal, sem a euforia da alegria, e sem o torpor da tristeza. Ou será que, na verdade, a alegria seria a ausência de tristeza apenas? Poderíamos dizer que a tristeza é apenas ausência de alegria? Será que não poderíamos imaginar um homem, num mundo utópico, que não experimentasse tristeza alguma, antes, doses menores ou maiores de alegria? Esse tal não poderia saber o que é a alegria pelo fato de nunca ter experimentado a tristeza? Parece que Heráclito diria não. Permita-nos citar Gaarder novamente: “Se nunca ficássemos doentes, não saberíamos o que significa a saúde. Se nunca tivéssemos fome, não experimentaríamos a agradável sensação de saciá-la depois de uma refeição. Se nunca houvesse guerras, não saberíamos o valor da paz, e se nunca houvesse inverno, não poderíamos assistir à chegada da primavera” (GAARDER, p. 48). Não estamos certos de que concordamos com Heráclito.

OS PROBLEMA DA COERÊNCIA E DA ABRANGÊNCIA NA COSMOVISÃO DE HERÁCLITO

Afora algumas críticas, alguns questões levantadas, que fizemos, temos ainda alguns problemas não resolvidos com Heráclito. A questão fundamental está na exposição, da parte de Sproul, de Parmênides quanto ao ser. Tudo o que é, é, dizia o filósofo de Eléia. “Não pode ser e não ser ao mesmo tempo e da mesma  maneira. Se está se tornando, não pode estar sendo. Se não está sendo, não é nada” (SPROUL, p. 23). A questão é que, se algo constantemente está se tornando, nunca é. Mas, se não é, então não possui ser, não existe. Sem uma base fixa para o ser as coisas não podem existir. Assim, as coisas têm de ser antes de virem a ser. A única saída para Heráclito seria dizer que o ser das coisas está no logos e encerrar o sistema num panteísmo. Mas parece-nos que a ontologia das coisas está, mesmo, com o predicado de ser essencialmente mutante.
E, afinal, o que é o homem nesse processo todo? Porque ele existe num estado diferente? De onde vem sua pessoalidade, sendo que o próprio logos é impessoal? Porque o homem é um ser racional, que pode perceber e acessar o logos para compreender a realidade? A antropologia filosófica de Heráclito se mostra a nós como o tendão de Aquiles na cosmovisão de Heráclito.
Ainda nos incomoda a questão teleológica. Porque esse fogo cria e consome todas as coisas? A própria criação do cosmos por meio do fogo nos parece muito misteriosa. A razão suficiente de Leibniz também parece lançar suspeitas ao sistema. Porque o logos cria as coisas de um jeito e não de outro? Quando ele cria, as coisas são sempre criadas da mesma forma?
Temos, ainda, que observar os pressupostos de Heráclito. A falta de abrangência que não deixa o sistema tanger suficientemente à antropologia filosófica faz com que suspeitemos de como um heraclitiano defenderia a pressuposição de que os sentidos são confiáveis.
O comprometimento de Heráclito com o projeto filosófico de sua época, o Zeitgeist pré-socrático, fê-lo pensar na arché, a qual ele identifica como o fogo. O fogo ganhar ares ‘racionais’, tornar-se ‘logos’, parece-nos o raciocínio seguinte para toda a coerência do sistema. Não podemos deixar de considera-lo um pensador formidável, entretanto, não poderíamos abraçar sua cosmovisão.
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* Gaarder diz 540-480 a. C., mas Durant diz 530-470 a. C. Osborne não dá data alguma. Antes, informa-nos sobre a polêmica relacionada a essa questão. Ao observar que Parmênides escrevia de forma argumentativa, e Heráclito por aforismos, e que Parmênides teria influenciado a posteridade à argumentação, sugere, pois, que aquele teria vivido antes do que este. Há quem conteste dizendo que Heráclito não desejou expor suas ideias da forma que Parmênides, ou seja, não estava querendo fundamentar sua filosofia pelo critério de provas e argumentos, mas, antes, nos mostrar um modo de ver as coisas, uma hipótese explicativa do mundo. Ao que parece, segundo Osborne, Heráclito já pensava em termos de cosmovisão, embora tal ideia pudesse não estar estruturada (PRADEAU, p.23).
* Quando formos estudar os estóicos, que se apropriam dessa ideia de Heráclito, mostraremos como Durant, e tantos outros, estão equivocados ao alegarem algum tipo de plágio, da doutrina judaico-cristã, aos estóicos ou, sendo mais elementar, a Heráclito.
* Estamos muito cientes do quão próximo a Platão tal ideia está. É como se houvesse uma ideia da coisa, embora as entidades materiais em si estivessem sempre tornando-se, não sendo algo nunca.

uma extensão da filosofia de Heráclito se encontra nos Estoicos, que pode ser conferida clicando aqui!

REFERÊNCIAS

CHALITA, Gabriel. Vivendo  Filosofia. São Paulo: Atual, 2002, p. 304.

DURANT, Will. A História da Filosofia. Tradução de Luiz Carlos do Nascimento Silva. Rio de Janeiro/São Paulo: Editora Record. 4ª ed., 2001, 406p.

GAARDER, Jostein. O mundo de Sofia: romance da história da filosofia. Tradução de João Azenha Jr. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. 560 p.

OSBORNE, Catherine. O nascimento da filosofia _ PRADEAU, François. História da Filosofia. Tradução de James Bastos Arêas e Noéli Correia de Melo Sobrinho. Petrópolis: Vozes; Rio de Janeiro: PUC-Rio. 2ª ed., 2012, 624p.


SPROUL, R. C. Filosofia para iniciantes. Tradução de Hans Udo Fuchs. São Paulo: Vida Nova, 2002, 208 p.

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